quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A carta daonde escrevo não é o lugar que queria residir.Minha morada se faz dentro do lugar a que não pertenço.Eu busco uma morada que realmente seja minha, aonde saberei exatamente como estão organizados meus objetos pessoais.
Esse lugar a qual almejo, tem janelas para a rua, onde pessoas passam à me encarar e portas para a minha alma, que repousa sentada no vão da porta, ventilando-se e buscando aromas para exalar no lindo dia em que minha primavera desabrochar dentro de mim
Priscila Reis

sábado, 11 de dezembro de 2010

Entre a gaiola,a mata aberta e si próprio

Soa-me tão estranho colocar meu texto em primeira pessoa, que me toma uma vontade de achar uma outra pessoa para nomear meus desejos, minhas frustrações, crises e loucuras. Porém, de repente, vislumbro a possibilidade de quebrar meus próprios paradigmas e me desafiar a escrever meus afetos em primeira pessoa, nomear sensações e situações em meu próprio nome,singular. A sensação de que posso nomear coisas todas minhas, me traz um certo alivio.
Ë como se,dessa forma, tivesse minha vida em mãos, como se pudesse senti-la com toda intensidade e dar tonalidades todas minhas. Esse universo todo particular, de mergulho em si , me fascina e me cobre de sentimentos dúbios, contraditórios. Ao mesmo tempo em que sinto uma alegria toda intensa, que quase me escapa do controle, me inundar, sinto uma eterna angústia assustadora.
Gosto de comparações e, quando exemplifico, tudo parece ficar mais fácil. É como se eu fosse uma passarinho que sempre viveu dentro de uma gaiola, e que , de repente,de surpresa, é solto para o mundo. Ele não sabe o que fazer primeiro. Não sabe se leva seus pertences junto ä ele, para nunca mais voltar,ou se os deixa lá dentro, para ter motivo de volta, lugar seguro e confortável e para sua ausência ser notada.
Quando sai para o mundo, fica tão feliz de estar livre naquela imensidão de verdes, mas não está livre nos seus pensamentos, em sua mente a imagem da sua confortável gaiola e de quem o cuidava e fazia companhia não lhe abandona. Nesse mergulho pra fora da gaiola, ele mergulha no seu próprio universo, entra em si com toda intensidade de um homem à penetrar vagina pura e virgem.
A busca fora da gaiola, que sempre o prendeu, porém numa prisão segura, que lhe agradara por determinado tempo, o levara a buscar em si ferramentas para encarar aquela floresta que o devorava. Essa busca dentro de si, era o que o mantinha fora da gaiola. Era preciso todo um arsenal para viver fora daquele apertado ambiente, num mundo imenso e de possibilidades mil. Ele tem que lidar com o sentimento de estar fora de reduzido lugar trancafiado, voando em mata aberta, procurando em si uma liberdade que nunca imaginou poder ter e as ferramentas próprias para lidar com ela, encarando-a e ao mesmo tempo vivendo-a com toda intensidade e veracidade.
Me vejo de novo à tomar como exemplo o outro, parece-me mais fácil e fluido.Para que falar de mim ,citando-me diretamente,se sinto-me como esse pássaro entre a gaiola ,a mata aberta e si próprio.Não acredito que ele tenha que tomar uma decisão crucial, escolher apenas um lugar em que pretende ficar e ajeitar seus pertences à esse ambiente.Acredito em escolhas, mas não nas realizadas em prol de definições de papeis sociais fixos, de maneira a se colocar ao outro e a sociedade.Acredito na escolha que começa e acaba em si, mesmo passando de relance pelo outro.Porém essa escolha tem que ser feita de maneira fluida e natural.
Não acredito que devamos nos prender a crenças, lugares, ideais e definições.Sinto-me oscilando em meus pensamentos e emoções,porém, tenho gostado dessa viagem.O balanço do barco sob as ondas, me faz lembrar de um tempo em que brincava de ser sereia, pirata, pescador, sem me prender a escolher um determinado papel ou lugar.Quando se é criança, todos os lugares são seus, e com eles, todos os personagens, possibilidades, devaneios. Quando se é criança, nenhuma decisão é para sempre, nenhuma escolha tem que ser feita de maneira fixa e estável.
Quando eu era criança, o futuro não existia, as pessoas eram para sempre, as situações vividas com toda a intensidade, o presente a única existência, o filhote de cachorro era o cavalo da minha Barbie, a bacia de lavar roupa da minha mãe era piscina da Barbie, minha mãe nunca mais me buscaria na escola, pasta de dente era comestível, amigos para sempre, cachorros e outros bichos pensavam e sentiam.
Não quero ter agora que escolher não ser mais criança.A infância reside em mim e me mantém viva , com toda a vivacidade, não apenas sobrevivência.Não sei se algum dia quero ter alguma certeza, certa e imutável.Gosto do contraditório,das oscilações, elas me fazem lembrar quando brincava de barco no mar revolto.Viva a infância e que ela nunca morra em ninguém,que no máximo adormeça em instantes de descuido.Ainda acredito que o filhote de cachorro é o cavalo da minha Barbie, mas não acredito e nunca quero acreditar que as coisas são pra sempre , o mesmo, sem menores alterações, e que a passagem de fases seja tão marcada e delimitada.Primeiro se é criança, depois pré adolescente, adolescente, jovem adulto,adulto, meia idade e idoso. EU não quero acreditar nessas cisões em definições absolutas e conceitos para tudo. Quero acreditar que algumas coisas são simplesmente inexplicáveis e que somos humanos, que brincam de ser tudo e todos, sem separações por faixa etária.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Feito papel machê na imaginação
Perguntei à ela qual era a sensação ao escutar trechos das minhas descrições poéticas, ela assim descreveu: é como um drops: pequeno, intenso, refrescante, casual, rotineiro e íntimo.
Gostei da sua definição, da maneira poética como encaixou as palavras e como elas significavam uma ao lado da outra. Como faziam companhia uma à outra, reforçando ou dizendo de outras maneiras o que queria ser explicitado, tornando-se inteiramente explícito aos olhares alheios.
Gosto de fazer esse questionamento a outras pessoas, a diferentes pessoas e juntar isso à minha maneira de viver, experienciar e sentir as coisas. Outro dia, uma amiga me disse que se via no que escrevo, feito Narciso ao olhar, surpreso, sua própria imagem no rio de águas límpidas.
Quando escrevo, não busco levantar bandeiras ou defender a todo custo ideais e causas nobres.Quando descrevo, quero apenas tornar as cenas cotidianas mais pictóricas e dirigir os olhares para essas cenas que descrevo e para dentro de si.
Essas cenas acontecem fora de mim, mas depois vão pra dentro de mim, significam, resignificam e são expelidas ao mundo em uma ordem toda minha e toda do outro, ao ser vista por outra menina dos olhos, banhada em cores e formas diferentes.
É essa visão, interpretação, reinterpretação que me fascina, a forma como modelamos em nossa mente tudo o que digerimos em palavras, imagens, traços, versos e letras.
Gosto das comparações, bem direcionadas, diga-se de passagem. Essa mesma moça que definiu trechos dos meus textos enquanto drops, disse que tudo é um papel machê na minha imaginação.Apreciei o comparativo, a figura de linguagem me levou à sentir, ao cerrar minhas retinas, toda a textura desse papel e a mágica de sua transformação, feito transformar nuvens e formas incompletas em desenhos só meus. Esse jogo é tão divertido.
Mais divertido ainda, é ver os pequenos detalhes e casualidades com uma lupa de aumento.Aquela menina, vestida de uniforme da escola, aguardando a condução no quintal, e brincando de enxergar os detalhes com lupa, me encheu de ânimo e fantasia.
É disso que falo, uma imagem que diz tudo o que quero dizer.Essa menina deve ter seus 10 anos, e mostrava-se vislumbrada com os pequenos pedaços que avistava.Imagino o que ela poderia estar imaginando nesse momento de descoberta.
Talvez estivesse pensando em uma forma de transformar o que via em divertidos desenhos.Mal sabe ela que esse é só o começo de sua viagem ao imaginário.Mal sabe ela que quando criança fazia o mesmo, e meus devaneios transformaram-se em imagens e mais imagens, idéias e relatos poéticos que tentam dizer coisas aos outros, que tentam devolver às pessoas algo que é tão natural à infância, e que é por muitas pessoas perdido na ânsia de se fazer notável, sério e responsável. Ah, o doce imaginário!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

NÃO SE ESQUEÇAM!!! DIA 13 DE OUTUBRO, A PARTIR DAS 19:30, ACONTECERÁ A ABERTURA DA MINHA EXPOSIÇÃO:CALIGRAFIA DE JULIETA NO BETO BATATA ORIGINAL NO ALTO DA XV.RUA PROFESSOR BRANDÃO 678-CURITIBA TEL-3262-0840
SOBRE A EXPOSIÇÃO CALIGRAFIA DE JULIETA

“A imaginação sempre lhe ofereceu imagens mil para deliciar-se. O mais delicioso dessa brincadeira, era que o imaginar quase se transformava em viver aquilo com toda intensidade e veracidade...

Originadas dos meus devaneios de infância, as imagens e relatos poéticos, assim os chamo, são uma resposta ao mundo imaginário que sempre me encantou e em mim habitou. Mundo esse que me fazia, enquanto criança, descobrir desenhos em tudo, até mesmo nos arabescos dos azulejos do meu banheiro.
Essa brincadeira de encontrar formas, linhas, palavras e versos em todas as coisas, mesmo nas mais pequenas e insignificantes, aos olhos de outros, me levou a um universo particular de descobertas.Universo que encontrei de dentro pra fora e para dentro novamente, em um movimento de espiral, e que agora ao retornar em mim é jogado para o exterior,para o outro, com a mesma intensidade.
Essa exposição é um rompimento de barreiras. Minhas imagens e jogo de palavras saem da barreira do meu eu para ultrapassar a barreira do outro e reverberar em quem quer que sinta alguma significação e identificação com meu trabalho.
Não sigo conceitos, técnicas fechadas, caminhos pré-estabelecidos. Deixo minha intuição falar mais alto e guiar meus desejos de maneira a concretizar meus pensamentos e vivências.

...Sei que podemos parecer invasivas, respondendo correspondência alheia. Mas o fato de podermos interferir positivamente nelas, nos enche de um gozo explêndido, sentido aos âmagos...”

E a história continua, até onde a imaginação me permitir e me jogar ao infinito...
Quintal imaginário.
Conhecera aquele distinto cavalheiro,num quintal que recebia a primavera.Aquele quintal acolhia tão bem as diversas flores, que passava a sensação de colo materno.Quente, acolhedor, receptivo e eterno.
Algumas folhas secas de outono ainda insistiam em brincar com as flores ornadas de diversas formas e cores.O outono resistia em abandonar a primavera.
Nessa transição de estações ela transitou de amores e também de si mesma.Abandonou aquela antiga menina que vivia como se estivesse a pisar em ovos, indecisa, imatura, incoerente,inconstante, medrosa e impulsiva.
Não que abandonou inteiramente seus impulsos.Porém, agora eles estavam entregues à desejos de maneira mais conciente, cautelosa.
O diálogo é iniciado. O livro Pequeno Princípe é que guia a conversa, numa relação de surpresa e êxito por ouvir muito do que pensava pela boca daquela rapaz.Eles comungavam de pensamentos e interesses similares.
Conversam sobre a infância, a maturidade, a sociedade, o pequeno príncipe e sua visão sobre o adulto.
Empolgaram-se ao falar sobre a infância.Aquilo era um ponto em comum e despertava em ambos cheiros da infância,que ainda reside nas vivências de cada um.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sobre a frase "Trair o próprio desejo custa caro"

Escuto meu desejo falar mais alto
Meus prazeres pedem espaço
Dentro da geografia do meu corpo
Localizo e me perco no meu oco
Quando tento um recomeço
Percebo que trair o próprio desejo
tem um alto preço
Talvez o mais caro
De sentir aquele prazer negado
Posso senti-lo guardado
Preenchendo o espaço dos renegados
Na gaveta que à tudo destina
Fechada a sete chaves, para evitar o alarde
De todos os desejos saltando pelos ares
Saindo de si e eclodindo com pesares
de não ter se mostrado antes aos alheios olhares.
Por Priscila Reis

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Descrição da cena:varrendo folhas secas

Era como uma pintura.Era como se eu pintasse a cena com as palavras bem escritas,junto à descrições,detalhes em caligrafia bem desenhada.
Era a cena se desenrolando em minha mente, enquanto escutava a descrição que gravei e coloquei-me à escutar.
Que euforia me toma, ter tantos mundos, objetos e pessoas à imaginar.
A imagem daquela senhora de cabelos brancos, pele clara,vestida de floral, em cores contidas, à varrer pacientemente as folhas secas de outono não me abandona a mente.
Deixe-me descrever.O ato de descrever é tão prazeiroso para minha pessoa, que o encaro como um gozo poético à ser concluido.
A descrição das folhas:Aquelas folhas secas de outono insistiam em brincar com o vento e se esparramar desordenadamente.Ao lado delas e da senhora que as varria com calma e serenidade, havia um brinquedo de girar,que não me lembro o nome, com pintura descascada e ar de esquecido pelo tempo.
Velhice e infância,senhora e gira gira, lado a lado, sem nem ao menos notar.Folhas secas protagonizando tão serena e linda cena.
Essas imagens detalhadas dançam, brincam dentro de mim.
A pergunta que me fica é:O que pensava tão doce senhora sobre seu fazer?e sobre seu interior ao fazer cotidiana tarefa?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sobre coser e coseduras

A primeira vez que a encontrei, senti uma identificação acontecer. Nosso primeiro encontro foi pura coincidência. A semelhança dos nossos nomes nos aproximaram, e por alguns segundos, cheguei a pensar se ela não seria uma parente distante,se algum laço de parentesco nos unia. Priscila Dias. O único sobrenome que quebrava a coincidência, era a continuação do meu:dos Reis.
Confesso que fiquei surpresa com seu semblante. Ela tinha cachos negros que pendiam sobre seu ombro e que faziam o desenho de uma espiral. Aqueles cachos se movimentavam a cada ação do seu corpo. Sob seus cachos, havia adornos de tecido, confeccionados manualmente, por ela mesma.
Ela tinha uma certa relação de fetiche com os adornos que produzia.Era como se colocasse todos os seus sonhos e desejos à disposição de suas mãos, que davam forma concreta à eles, cosendo tecidos diversos. Conseguia, com maestria, unir tecidos de categorias diversas,texturas,cores,volumes e histórias diferentes.
Não era nenhum mistério para ela como unir trapo e cetim e o fazia de maneira esplendida.Para ela aquele coser não era um mistério, mas ela era por si só a tradução do mistério, se é que isso existe.Há de se confessar aqui que, por alguns segundos novamente, o susto me tomou, me decepcionei ao procurar nos dicionários a palavra coser e pensar que esta não significava o que eu almejava dizer. Pensei comigo:como pode uma só letra mudar o enredo todo.Cozer com z diz respeito ao ato de cozinhar, e coser com s, essa sim, é palavra que diz sobre o ato de costurar.Não sabe o alívio que me toma poder manter palavra tão poética no meu relato sobre Priscila.
Esse segredo se dava na sua relação com o mundo das coisas.Era ela toda inusitada, não se podia esperar uma determinada ação de sua parte.Ela sempre surpreenderá, se colocando de maneira diferente em cada situação. Priscila tem o dom de antever cada ação com um suspiro que impulsionará seus atos.
Penso aqui se deveria eu, relatora, conjugar sua história no passado ou colocar no presente, já que o fascínio por épocas outras a toma e a leva para universos distintos, universo dos chapéus, casquetes, melindrosas, jazz, ópera, teatro, cabaré.
Acho que o passado lhe cabe melhor,mas prometo não me prender à isso, já que ambas Priscilas caminham tranquilamente entre os anos 20 e o século 21.Essa transição é divertida e mistura elementos de ambas épocas de tal forma, que quase nos perdemos e esquecemos em que época estamos.
Priscila almejava, por alguns piscares de olhos , pelo menos, habitar a sociedade banhada na era do jazz.Ela tinha imaginário tão fértil que a transportava para esse lugar, nesse ano, apenas no encontrar de seus cílios superior e inferior.Quando os mesmos se fecham e lacram, de certa forma, sua visão, seu universo interior fala mais alto.Na verdade não fala, grita.solta urros de felicidade por poder, contida em si mesma, viajar para essa época e viver nessa sociedade.
Dentro de si,em seu intimo mais que colorido, já elabora as cenas que pretende viver, ambientes onde pretende estar, adornos e vestimentas que usará.De olhos fechados, com suas retinas cobertas e imersas no interior de si, ela se veste.A primeira vontade é enfeitar seus cabelos.Prende em meio aos seus cachos, um casquete em forma de miniatura de chapéu preto, com penas saltando do seu centro e um véu à frente de sua visão. Esse véu tem tramas que colocam as imagens que estão no campo de sua visão em formas geométricas.Tudo o que enxerga fica contido em seu véu, que fragmenta as imagens,acompanhando o desenho da renda.
Depois do cabelo adornado, e os cachos alinhados, banha-os em creme de rosas.Começa pelas roupas intimas.Envolve seu corpo no espartilho,bem preso, para não lhe escapar nenhuma impureza. Parte então para as pernas.Veste cada perna em um orifício da calcinha e a puxa para cima, para cobrir suas vergonhas. Senta em uma cadeira estilo art nouveau, veste a cinta liga desenhando rendas sobre as pernas.
Levanta-se de sua cadeira e vai até o guarda roupas. Retira dele o cabide que sustenta seu vestido de seda, de silhueta tubular, curto,leve e elegante e o veste, deixando braços e costas à mostra, para lhe dar liberdade em seus movimentos para dançar Charleston, sua dança favorita.
Ao terminar de se vestir, desce as escadas ofegante, e depara-se com seu ser amado, à abrir a porta para sua entrada.Entra no carro,olha para o lado, e ali está o motivo de toda euforia.Um distinto cavalheiro que sustenta todas as suas projeções de amor natural, profundo,íntimo e verdadeiro.
Selam o encontro com um beijo estalado,já que tinham que tomar cuidado, pois não podiam mostrar suas intimidades em público.Se é que dentro do carro estavam em público, já que estavam fechados em um universo particular.
Chegando ao local do baile, o distinto cavalheiro abre a porta, desce do carro, dirige-se a porta de Priscila, oferece-lhe gentilmente a mão para ela descer com desenvoltura e mostrar-se enquanto seu companheiro.
Ao por os pés no chão, ouve um ruído estranho, que parece um disco riscado, parado na frase me Myself and I, do disco de Billie Holiday.Aquele ruído a toma de tal forma, envolvente e perturbadora ao mesmo tempo.Na pausa abrupta, feita por um risco no vinil, Priscila separa seus dois cílios, abrindo –os para escuridão daquele quarto, iluminado à velas.Olha para o lado e percebe estar em outro lugar, que parece estranho e seu ao mesmo tempo.
Passado o susto, consegue perceber o ambiente.Um tocador de vinil, adquirido em um antiquário, o disco enroscado,um croqui com sua mais nova cosedura, estilo anos 20, sob uma luz toda especial.Ela se vê deitada na cama, com um vestido antigo, comprado em um brechó, brincando sobre seu corpo.Ela olha para si e acha graça.Ri da sua viagem e pensa: a quantos lugares meu imaginário pode me levar.
Embora achando graça, não se desfez de sua imaginação.Guardou o vestido no armário,mas já pensando nas próximas cenas.Sua memória visual agora estava banhada de cenas de cabaré,casquetes,melindrosas, cintas ligas,etc.O que achou mais fascinante disso tudo é que poderia acessar aquele universo imaginário no momento em que bem entendesse.
Fechou o guarda roupa, apagou algumas velas e se preparou para sair.Parou na porta do seu quarto, olhou sua cosedura iluminada e se lembrou de uma frase que escutara e que havia lhe reverberado: O tempo não é linear. O tempo é uma espiral.Você contém dentro de si todos os outros tempos vividos.
Ela saiu do seu mundo, para enfrentar o mundo real. Mas algo que não lhe saia da cabeça, era a idéia de achar tão distinto cavalheiro abrindo portas e fazendo gentilezas, no seu mundo real.
Em pleno século 21, achar tal cavalheiro não é impossível, mas exige-lhe suor e entrega, já que hoje o mundo das relações encontra-se tão superficial e medroso, sem toques e penetrações mais profundas, que fure a barreira do físico.Mas ela conserva as esperanças, e pensa que ainda achará tão distinto cavalheiro, abrindo as portas do seu intimo colorido e trazendo à ela uma enxurrada de sensações e emoções.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Hedonismos da Infância

O sentir sempre me guiou e o sensível sempre me aflorou. Tenho uma percepção que, não dificilmente, me assusta. Hoje pensei muito sobre como significamos e resignificamos conteúdos, sensações, vivências. É só a melodia daquela música soar que já sinto o primeiro pêlo do meu corpo levantar-se e na seqüência todos os outros.
Essa sensação me despertou um pensamento: acho que eu sinto a música em todos os sentidos, numa relação de sinestesia absurda, que me toma por inteiro e sopra vida para meu recipiente de almas diversas.
Quando penso no tempo que me toma, sentir intensamente minhas vivências, penso por alguns instantes que estou à perder meu precioso tempo, que deveria estar concentrado no lado intelectual da vida.Porém, passa mais alguns segundos, e já me desarmo desses pensamentos.Logo chego à uma conclusão:É esse viver que me preenche que me torna ser vivo, muito vívido.
Gosto da alegria, arrepio e carnaval de emoções que me tomam e me levam a um universo mágico, que se encontra dentro de meu corpo, em um lugar que nem eu sei localizar ao certo, só sei que me toma por inteiro.
Gosto também de, a certa hora do dia, colocar sons de mar, risadas, andares, diálogos, pássaros, para me ambientalizar em um lugar incomum, no lugar que não estou. Crio esse universo,de forma à enriquecer meus cenários e poder colocar meus personagens andando por ele, relacionando-se com ele , o espaço, e comigo mesma.
Retomo à brincadeira da infância que mais gostava: à de criar mundos imaginários, e me deliciar e lambuzar de gabar de tão infinitas possibilidades.Meus devaneios me levam à lugares só meus, me interiorizam e me armam para esse mundo bipolar e cheio de peripécias.
Me enche de prazer lembrar a minha infância, meus badulaques, brinquedos, minhas descobertas, mistérios, aventuras, pés pretos de tanto correr descalço. È só eu escutar sons de infância, quando coloco a música palhaço, de Egberto Gismonti para tocar, que me vejo frente a frente com esse universo de sinestia, de um mundo sendo descoberto com hedonismo e sem culpas.
Um mundo vivenciado aos âmagos.Um mundo que é meu imaginário e um mundo lá fora de mim.Esses dois mundos brincam sapecamente e quase se desorientam,tamanha a felicidade que os toma ao encontrarem-se...

Primeira caligrafia
Aquela música sempre lhe despertara para escolher as melhores palavras, as mais doces de serem degustadas em seu mais intimo ser, para depois serem sentidas aos poucos, ao sair do seu interior, sua mente imaginária, de seu inconciente despertado, para uma materialização.
Ela degustava, sentia e tocava com a língua cada palavra a ser colocada delicadamente para fora, de maneira à expressar aos outros o que sentia e pensava, mas principalmente para ela própria.Ela tinha curiosidade de saber como ficariam aquelas palavras soltas no mundo, como seria seus sons e como se daria as interpretações alheias do conjunto de palavras que ela juntaria, colocaria em ordem ou desordem.
Significava e resignificava, dessa forma, seus conteúdos internos, que ainda assim eram interiores, mas agora com a significação do ser desconhecido e exterior. Sempre lhe chamara atenção essa forma de lidar com a vida, tão sua, tão própria.Tenta nomear, classificar e pesar tudo. Sempre quis entender em qual caixa cabia e qual lhe acolhia melhor, até descobrir que não tinha que se forçar a entrar em molde nenhum, que tinha que ser ela, apenas ela.
Agora gosta do desconhecido, do diferente, inusitado sem nomes, do estranho.Procura ver em tudo o seu mais intimo conceito, que não lhe caberá da mesma forma que cabe ao desconhecido em si.
Começara a se divertir com inúmeras possibilidades do existir, e não mais tenta se colocar em nenhuma posição fixa, adora o mutável, o variável, e a frase que mais gosta de dizer é a frase de um filósofo: Só há uma coisa que permanece: a mudança.
Está agora maravilhada, pois não precisa assumir nenhuma rigidez e não precisa nomear os sentimentos e personagens, muito menos pensar na conjugação do verbo, no tempo interno e externo do personagem, na seqüência do que conta. Tem o livre arbítrio de simplesmente dizer, em sons, gestos, olhares, escritas, entre linhas o que pensa e o que sente. E o melhor de tudo, é que agora não mais discerne e coloca como arbitrário razão e emoção, teoria e prática.
Certo dia, li que precisamos do outro para existir, que não somos uma ilha, e pensar nisso me levou a pensar que essa menina-mulher precisava de um par romântico para existir.Não que não exista sem o mesmo, mas com ele sua presença se engrandece, se revitaliza, a transforma, num movimento espiral que sai para o exterior e volta para o interior.
Agora sim, poderia ela dizer que tem quem contemple a sua espontaneidade, que sente a sua não presença, que tem que acessar o seu imaginário para contemplar cenas que ainda não aconteceram, que acontecerão. Imagens que lutam para manterem-se presentes dentro de si, sem se atrever a se colocar pra fora.Aquele pensamento é só seu, aquela imaginação é de sua própria fabricação.
Começa agora o primeiro suspiro e a primeira letra passa a ser delineada, o papel começa a acomodar tão delicada e sutil caligrafia.As linhas se ajustam de forma a acomodar tudo o que recebe. Ela mesma sugere um nome para a personagem da história, da sua história.Ela não quer que destinem a ela um único nome e se diverte com a possibilidade de criar, recriar, visitar e revisitar personagens. Esses personagens a tranqüilizam e a ajudam a viver de forma integral e intensa sua tão almejada vida.
Seu caderno passara anos fechado, sem nenhuma caligrafia transposta à suas páginas amareladas. Ela senta na cadeira, tira o caderno da gaveta, o puxa para junto de si, se ajeita na cadeira,fica alguns minutos de olhos fechados para sentir sua imaginação vir à tona. Pega o tinteiro, a caneta, e numa euforia contida, delineia a primeira letra que se segue a primeira palavra e que transforma-se numa frase. Inventou um nome para si, Julieta, e inicia a primeira de muitas histórias do seu caderno há tanto tempo fechado: Caligrafia de Julieta.

Postarei um texto em fase de experimentação.Comentários e sugestões são bem recebidos.Porém, o texto poderá sofrer mudanças...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dia 13 de outubro-Abertura da minha exposição no Original Beto Batata no Alto da XV.
Rua Professor Brandão 678.Pinturas, desenhos, serigrafia e meus relatos poéticos...
Apareçam para conferir...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Caligrafia de Julieta
A imaginação sempre lhe ofereceu imagens mil para deliciar-se.O mais delicioso dessa brincadeira, era que o imaginar quase se transformava em viver aquilo com toda intensidade e veracidade.
Ela era uma pessoa muito distinta e gabava-se de um imaginário tão rico e fértil. Ele o acompanhava desde a infância, quando descobria desenhos na junção das linhas e arabescos do azulejo, ou nos desenhos que seus cabelos insistiam em brincar de fazer no chão do box, aos seus pés, ou mesmo ao seu lado. Bastava virar-se sutilmente e podia perceber toda a composição que a junção dos desenhos dos azulejos faziam,
Mas dentre todas as situações imaginadas, a que mais nutria em si e mais ansiosamente esperava, era o encontro com suas fantasias através da figura de um homem.
Em seu quarto,escondida em seu canto, pensava como seria a textura da pele do homem que pela primeira vez colocaria a mão sobre a sua, com pura inocência, sentindo aos âmagos todas as sensações que aquele toque poderia lhe despertar
Poderia ser tarde, o momento em que suas peles se encontrariam , talvez daqui uma década, ou mesmo 50 anos, já que do destino nada se espera, ou tudo se espera.
As imagens a cada ano eram enriquecidas de detalhes e mais detalhes. E um sutil detalhe, que supostamente em nada alteraria a composição como um todo, poderia através de impulso transformar-se no maior segredo revelado.
Era um jogo frenético e perigoso esse que fazia, oscilando entre a fantasia e a realidade, sem remorso algum. Fazia-lhe falta seus devaneios em meio a tardes ensolaradas de céu de brigadeiro. As imagens tomavam-lhe de tal forma que poderia simplesmente olhar para tudo, principalmente as coisas que mais lhe agradara, por noites a fio, sem som, na volúpia de um sono contido para melhor poder ver as maravilhas da natureza e as cores que surgiam na mudança das estações.
Eram tantas coisas que desejava, que receava não poder ter todas. Estava frustrada, desanimada, e já havia desacreditado em possíveis histórias saudáveis e instigantes. Vinha de um longo período de desilusões e relacionamentos covardes, não por sua parte. Tinha mania de pensar e logo escrever tudo no passado. Escrever era um de seus prazeres, e o fazia de maneira a ocultar que a personagem principal era ela e os outros elementos figuras de linguagem, para delicadamente contar sua história às espreitas, entre aspas e conjugada no passado.Escrita de forma as pessoas imaginarem que era apenas um conto de fadas contada por uma tola que ainda acredita em amor e nas pessoas.
Tinha medo de assumir para si a história e a posição de uma eterna sonhadora romântica, portanto inventara até um nome para a personagem que viria a sentir suas angustias, declarar seus segredos, mantendo um certo mistério e sentir seus medos, como uma dublê a que tudo topa.
Tinha agora o que mais desejava: alguém para viver em seu lugar, experimentar todas as possibilidades do existir, cometer erros em seu lugar, fazer declarações de amor, reclamações, insultos, soltar gritos de desespero.
O fato de ter uma personagem para viver tudo para ela, lhe soava tão confortante, que já havia se diluído na personagem criada.Era ela Clarice.
Clarice era uma mulher alta, corpo esguio, pele branca feito névoa, e cabelos ruivos e enrolados, com cachos pendendo sob seus ombros.Era de uma delicadeza tamanha e ao mesmo tempo de uma intensidade e gênio que metiam medo.Assemelhava-se à uma loba, e adorava cultuar os animais selvagens.Era ela uma mulher de muita agilidade e atitude.Nada temia e fazia graça dos medos alheios. Conforme foi criando a personagem , foi se misturando à ela, de maneira à quase pensar que era a própria.
Eu, Clarice, a personagem, enfim, nossos eus misturados em um único ser,chegamos à conclusão que ainda amamos, temos os mais loucos devaneios sobre possibilidade de histórias de amor e adoramos ler cartas de amor alheias, e principalmente respondê-las, fazendo assim, histórias e mais histórias acontecerem , pessoas se reencontrarem, se redimirem , e apaixonarem-se novamente. Sei que podemos parecer invasivas, respondendo correspondência alheia. Mas o fato de podermos interferir positivamente nelas, nos enche de um gozo explêndido, sentido aos âmagos.
Mais prazeiroso ainda, é saber que nossa caligrafia traz lembranças de um tempo em que as pessoas se correspondiam, trocavam segredos, declarações, um tempo em que existia um mundo de afeições em uma letra bem desenhada e delineada. Um tempo em que as pessoas identificavam as outras pelas letras, e os amantes, ao identificarem a letra de seu amado, suspiravam e susurravam sozinhos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010


Mergulhada em florais de bach
Pude me deliciar com as letras desse poema canção.Degustei letra a letra, palavra à palavra e o resultado disso tudo foi não ter mais o que dizer..
Elisa Lucinda-Grande escritora

A menina transparente (Elisa Lucinda)

Eu apareço disfarçada de todas as coisas . . .
Posso ser vista no por-do-sol ou no nascer dele.
Eu posso estar através da janela,
Posso ser vista na asa da gaivota
Ou pelo ar que passa por ela.
Muitos me vêem no mar,
Outros na comida da panela.
Posso aparecer para qualquer ser,
Desde ele pequenininho;
Ficar com ele direitinho,
Se tratar de mim como eu merecer.
Uns me pegam pra criar em livro,
Outros me botam num vestido lindo,
Cheio de notas musicais:
Fico morando dentro da música.
Tenho muitas mães e digo mais:
Sou uma criança com muitos pais.
Tem gente que diz que eu nasço dentro da pessoa,
E faço ela olhar diferente,
Pra tudo que todos olham,
Mas não notam.
Ás vezes apareço tão transparente e de mansinho
Que mais pareço um Gasparzinho.
Tem gente que nunca percebe que estou ali,
Não cuida de mim,
Não me exercita.
Eu fico como um laço de fita
Que nunca teve um rabo de cavalo dentro.
Eu fico como uma planta de dentro da casa
Que ninguém molha, conversa nem nada.
Quem me adivinha logo dentro dele,
Quem percebe que estou ali diariamente,
Quem anda comigo e com o meu gingado,
Fica com o coração inteligente
E com o pensamento emocionado.
A esse que eu dou a mão,
E vou com esse para todo lado:
Aniversários, passeios, sono, cama, biblioteca, casa, escola;
Estou com esse a toda hora.
Tem gente que me vê muito na beleza da flor,
No mato, na primavera e no calor.
É que ando muito mesmo.
Eu posso até voar!
Por isso que me vêem no céu, nas estrelas, nos planetas
E nas conversas das crianças.
Quem anda comigo tem muita esperança.
Todo mundo que me tem
Pode me usar e me espalhar por aí.
Quem gosta muito de mim,
Depois que me conhece,
Junta gente em volta como se eu fosse uma festa.
Me usam até em palestra!
Me acordam lá do papel.
Ih! Eu tinha esquecido de dizer
Que, quando a pessoa começa a me escrever,
Eu fico morando no papel.
Toda vez que alguém me lê para dentro eu passo para dentro dele.
Toda vez que alguém me lê para fora, em voz alta,
Como se eu fosse uma música,
Eu passo para dentro de todo mundo que me vê;
Eu posso trazer alento a todo mundo que me escuta.
Tem gente que me pega só numa fase,
Como se eu fosse uma gripe boa,
E como se dessa boa gripe ficasse gripada.
Quero dizer . . .
Eu dou muito no coração de gente apaixonada.
Minha palavra é do sexo feminino,
Brinco com menino e com menina,
Fico com a pessoa até ela ficar velhinha,
Inclusive de bengala;
E depois que ela morre,
Faço ela ficar viva
Toda vez que por mim é lembrada.
Ás vezes eu sou sapeca,
Ás vezes eu fico quieta,
Mas todo mundo que olha através de mim é poeta.
Veja se eu sou esta que fala dentro de você.
Eu não posso escrever porque não sou poeta:
Sou a poesia!
Tente agora fazer um verso.
Se eu fosse você, faria.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

quarta-feira, 2 de junho de 2010

domingo, 30 de maio de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

MALA PARA ESCONDER NOSTALGIA.
Maria lembrava de seu toque sobre ela, todas as vezes que a melodia da música Palhaço, de Egberto Gismonti, fazia cócegas em seu ouvido, em sua alma. Era como se só o fato da música se mostrar presente naquele instante,fizessem todas as lembranças de um amor adormecido acordarem e fazerem-se presentes, como algo muito esperado,uma surpresa.
Porém, para ela, não era surpresa que na distância de alguns piscares de olhos, a imagem daquele homem acariciando seu rosto com o rosto, a despertasse para um mundo de fantasias, um verdadeiro Alice no país das Maravilhas, onde os tamanhos eram contrários, contraditórios, exuberantes, distantes entre si.
Ele dizia à ela que a intensidade das cores de seu amor por ela é diferente, não maior ou menor, e sim diferente, talvez até complementar.Mas ela não conseguia entender, no sentido literal da palavra.Talvez até pudesse entender o que aquela sequência de palavras organizadas de maneira a formar uma frase dizia, mas não entendia o sentido real daquilo tudo.
Ela admirava a coragem daquele homem de negar um amor, de negar o seu amor. Era como se todo o sentido racional das coisas fossem aumentados,como se fosse colocado uma lente de aumento sobre.E seu lado intuitivo, emocional, se obrigasse a tomar a poção que a tudo diminuia,fazia sumir.
O tamanho das coisas, sentimentos, possibilidades,acontecimentos, era alterado à todo instante por ele, sem o mínimo aviso prévio, e sem a autorização de Maria, que era peça fundamental da história, primeira pessoa a ser atingida pela mania daquele agora estranho homem, que à tudo diminuia, escondia.
Ela sentia que poderia ter os seus sentimentos e pensamentos alterados de tamanho, toda a vez que os mesmos assustassem aquele sujeito, de maneira a fazê-lo esconder-se no meio daquela mala cheia, cheia dos sentimentos, pensamentos e intuições escondidas, misturadas, apertadas no lugar que tudo escondia e guardava.
Quando quase explodia de tanto amor e lembranças à dar, trocar, oferecer, perguntou aonde poderia guardar tudo o que sentia.O homem fazendo-se de distante, sério e racional, só respondeu:
Faça como eu: Guarde tudo apertado, misturado e escondido na mala que tudo engole e guarda, e leve essa mala consigo para qualquer lugar que for, para em um momento de melancolia e nostalgia lembrar-se de tudo o que não expôs,que não viveu, que não se permitiu, já que escondeu "aquilO" tão bem escondido que não sabia mais onde havia colocado.
Priscila Reis

sexta-feira, 14 de maio de 2010


Priscila Reis
PORTADOR DE MOBÍLIAS
Sou a inconstância de um delicado e por vezes bruto movimento que quer se acalmar,mas que ao mesmo tempo quer continuar dando seus saltos e fazendo seus vôos rasantes

Sou uma pena em meio ao turbilhão de um vento, em meio ao caos das perdas e ganhos,dos erros e acertos, das tentativas

Sou pernas para correr do perigo, para dançar o abstrato, explicar que não se explica...

Sou mãos para segurar o pedido tão esperado, o desejo ansiado, o desenho dos meus sonhos. Mãos que desenham meus próprios sonhos, que costuram minhas fantasias

Sou braços para controlar o que faço levar minhas mãos aonde quero e segurá-las quando preciso

Sou barriga para carregar o que como , o que experimento, o que sinto
Para poder ter a sensação de borboletas no estômago e frio na barriga numa decida
Sentir que estou viva a cada cólica e dor de barriga frente a cada situação que me exija estômago

Sou boca e língua para sentir o gosto de seus lábios quentes e finos cantando uma música.Para fazer barulhos estranhos, para sentir a brisa fria de uma manhã, para me levar a prazeres, conhecer coisas pelos seus gostos, direcionar amargas ou doces palavras.Diálogo.Para espantar o perigo com a voz que sai das entranhas

Sou nariz para sentir todos os odores de todos os lugares para sentir o cheiro e gosto do mundo

Sou pés para correr do perigo, para me fincar nas minhas raizes, sentir a grama molhada e o piso úmido.Para me conectar com a terra , me levar a movimentos outros e me sentir viva

Sou Cabelos para sentir o vento bater
Sou joelhos para me flexionar, ser mais flexível, me dobrar diante de um pedido, de algo que me leva a crer estar enganada...

Sou olhos para pintar o que vejo, transformar as cenas que se desenrolam na minha frente, em atos cotidianos, nos ritmos de um sino da catedral, dos movimentos de um andante nas calçadas tortuosas e sinuosas ao meu redor...

Sou todas as cores, ordenadas de maneira a colorir o meu universo e o universo do outro.
Sou um corpo, apenas um corpo, que transita entre o chão da realidade e o céu da fantasia.
Priscila Reis

MINHA RELIGIÃOÉ O PRAZER



Era ela Margot.Mas além de ser Margot ela era quem costurava tecido a tecido seus próprios vestidos.Suas mãos eram tão encantadas que suas vestimentas tinham quase vida própria.Imprimia em seus vestidos todas as suas fantasias, todos os seus desejos.Construia, assim, uma relação de afeto com o que vestia, transformando um simples pedaço de pano na mais pura fantasia.
Priscila Reis

terça-feira, 11 de maio de 2010


Priscila Reis
OLHAR COR TIJOLO TRANSLÚCIDO
De questionamentos mil que me faço diariamente, surgiu-me uma constatação: a relevância e sublimação de um olhar. Quando digo olhar, não me refiro a um olhar vazio, perdido, que não se prende a nenhum ponto ou feição facial. Quando digo olhar, refiro-me a um ato de quase adentrar a alma do outro, vendo-se na menina dos olhos outros. Quando falo desse ato falo de quase tocar as cores e texturas que preenchem esse circulo misterioso.
Pensando sobre esses olhares e seus “donos”, deparei-me andando pelas ruas, num movimento de eterno pensar e questionar, um olhar que me intriga. É de um vermelho tijolo, translúcido, com o circulo negro quase derretendo dentro dessa circunferência. Esse olhar me leva á pensar sobre a transparência dos olhares, sobre a intensidade do ato físico, tátil e imagético.
O poder e mágica de um olhar, nos transporta, nos leva a outros mundos, realidades, pessoalidades, nos leva à enxergar o outro. Suas cores, formas, seus desenhos, anseios, angustias, medos. A idéia de poder contar com um ponto ocular aonde acalmar nossos olhos nos tranqüiliza. Nos coloca numa troca de intimidades, afeições, carências. Nos direciona à um mundo particular,cheio de amores, trejeitos, histórias, relações, experiências.
Muitas vezes o olhar substitui muitas outras ações, junto ao toque, a sensibilidade, à escuta, a percepção, torna-se talvez muito maior e de maior relevância do que a transmissão de conhecimentos. Essa percepção sensível, afetuosa é muito maior do que realmente entender as cores, as pinceladas, os grafismos, os artistas e suas obras, a história construída através de imagens.
Não retiro aqui, em momento algum a importância desses elementos, mas penso que muitas vezes os olhares e trocas afetivas, a escuta, a aceitação, a crença no outro, a esperança mantida, conservada, transformada, vale mais que mil palavras. Vale mais que conteúdos, conhecimentos, erudição.
A sensibilidade abre portas, traz possibilidades, caminhos. Oferece trocas, alimenta relações e torna o ser humano,humano, no sentido literal da palavra.
Priscila Reis

quarta-feira, 28 de abril de 2010



Priscila Reis

Clarice

Era ela Clarice, ou pelo menos a gostaria de ser. Quem essa menina era e quem sonhava ser, distoava e ao mesmo tempo encontrava com quem ela realmente era. Um paradoxo prazeiroso de encontros e desencontros.
Clarice tinha todas as características que ela almejava ter, tinha cabelos cacheados e imensamente vermelhos, pele branca como leite, um sorriso torto e uma delicada pinta ao lado. Sua delicadeza e vivacidade era o que mais admirava em Clarice.Depois das características físicas, o que ela mais admirava em Clarice era o jeito como soltava as palavras, de maneira a quase sentir suas formas dentro de sua boca,num movimento que partia de seu interior, e como um vendaval soltava-se aos quatro ventos e bailava em sua mente, a sua volta.
Clarice dizia palavras de forma a torná-las quase que poéticas.Junto à essas palavras, vinham as frases que evocavam grandiosas imagens que a levavam a devanear pelo seu mais longinquo imaginário.
Essa capacidade de imaginar, sem demais freios encantava a menina de tal jeito que ela sentia uma intensa vontade de por pelo menos alguns segundos, ou talves minutos, apossar-se da cabeça e do corpo de Clarice. Ela não só queria sentir como os braços de Clarice se movimentavam, como também queria sentir como pensava, sentia, percebia e transofrmava seus sentimentos.
Era uma curiosidade quase que incontrolá-vel.Volta e meia se permitia a devanear sobre como seria Clarice, como seria ela mesma.
A capacidade de deixar, sem receios ou mágoa o tempo esvair-se pelos seus dedos, sem culpa alguma, era também algo que a fazia querer cada vez mais ser Clarice.
Sonhando com essa imagem, e fantasiando como seria ter posse dos pensamentos e do corpo de Clarice, a menina subitamente freiou seus pensamentos, não mais se permitindo imaginar e somente pensou:
COMO POSSO EU SER CLARICE, SE NÃO SEI NEM AO MENOS QUEM SOU!
Não me experimentei o suficiente para saber se eu realmente quero adentrar em outro corpo , outra mente, outra vida.
Ela finalmente pensou:Posso ser oras Clarice oras eu mesma, de maneira a não enjoar-me da minha pessoa.
Priscila Reis