domingo, 30 de maio de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

MALA PARA ESCONDER NOSTALGIA.
Maria lembrava de seu toque sobre ela, todas as vezes que a melodia da música Palhaço, de Egberto Gismonti, fazia cócegas em seu ouvido, em sua alma. Era como se só o fato da música se mostrar presente naquele instante,fizessem todas as lembranças de um amor adormecido acordarem e fazerem-se presentes, como algo muito esperado,uma surpresa.
Porém, para ela, não era surpresa que na distância de alguns piscares de olhos, a imagem daquele homem acariciando seu rosto com o rosto, a despertasse para um mundo de fantasias, um verdadeiro Alice no país das Maravilhas, onde os tamanhos eram contrários, contraditórios, exuberantes, distantes entre si.
Ele dizia à ela que a intensidade das cores de seu amor por ela é diferente, não maior ou menor, e sim diferente, talvez até complementar.Mas ela não conseguia entender, no sentido literal da palavra.Talvez até pudesse entender o que aquela sequência de palavras organizadas de maneira a formar uma frase dizia, mas não entendia o sentido real daquilo tudo.
Ela admirava a coragem daquele homem de negar um amor, de negar o seu amor. Era como se todo o sentido racional das coisas fossem aumentados,como se fosse colocado uma lente de aumento sobre.E seu lado intuitivo, emocional, se obrigasse a tomar a poção que a tudo diminuia,fazia sumir.
O tamanho das coisas, sentimentos, possibilidades,acontecimentos, era alterado à todo instante por ele, sem o mínimo aviso prévio, e sem a autorização de Maria, que era peça fundamental da história, primeira pessoa a ser atingida pela mania daquele agora estranho homem, que à tudo diminuia, escondia.
Ela sentia que poderia ter os seus sentimentos e pensamentos alterados de tamanho, toda a vez que os mesmos assustassem aquele sujeito, de maneira a fazê-lo esconder-se no meio daquela mala cheia, cheia dos sentimentos, pensamentos e intuições escondidas, misturadas, apertadas no lugar que tudo escondia e guardava.
Quando quase explodia de tanto amor e lembranças à dar, trocar, oferecer, perguntou aonde poderia guardar tudo o que sentia.O homem fazendo-se de distante, sério e racional, só respondeu:
Faça como eu: Guarde tudo apertado, misturado e escondido na mala que tudo engole e guarda, e leve essa mala consigo para qualquer lugar que for, para em um momento de melancolia e nostalgia lembrar-se de tudo o que não expôs,que não viveu, que não se permitiu, já que escondeu "aquilO" tão bem escondido que não sabia mais onde havia colocado.
Priscila Reis

sexta-feira, 14 de maio de 2010


Priscila Reis
PORTADOR DE MOBÍLIAS
Sou a inconstância de um delicado e por vezes bruto movimento que quer se acalmar,mas que ao mesmo tempo quer continuar dando seus saltos e fazendo seus vôos rasantes

Sou uma pena em meio ao turbilhão de um vento, em meio ao caos das perdas e ganhos,dos erros e acertos, das tentativas

Sou pernas para correr do perigo, para dançar o abstrato, explicar que não se explica...

Sou mãos para segurar o pedido tão esperado, o desejo ansiado, o desenho dos meus sonhos. Mãos que desenham meus próprios sonhos, que costuram minhas fantasias

Sou braços para controlar o que faço levar minhas mãos aonde quero e segurá-las quando preciso

Sou barriga para carregar o que como , o que experimento, o que sinto
Para poder ter a sensação de borboletas no estômago e frio na barriga numa decida
Sentir que estou viva a cada cólica e dor de barriga frente a cada situação que me exija estômago

Sou boca e língua para sentir o gosto de seus lábios quentes e finos cantando uma música.Para fazer barulhos estranhos, para sentir a brisa fria de uma manhã, para me levar a prazeres, conhecer coisas pelos seus gostos, direcionar amargas ou doces palavras.Diálogo.Para espantar o perigo com a voz que sai das entranhas

Sou nariz para sentir todos os odores de todos os lugares para sentir o cheiro e gosto do mundo

Sou pés para correr do perigo, para me fincar nas minhas raizes, sentir a grama molhada e o piso úmido.Para me conectar com a terra , me levar a movimentos outros e me sentir viva

Sou Cabelos para sentir o vento bater
Sou joelhos para me flexionar, ser mais flexível, me dobrar diante de um pedido, de algo que me leva a crer estar enganada...

Sou olhos para pintar o que vejo, transformar as cenas que se desenrolam na minha frente, em atos cotidianos, nos ritmos de um sino da catedral, dos movimentos de um andante nas calçadas tortuosas e sinuosas ao meu redor...

Sou todas as cores, ordenadas de maneira a colorir o meu universo e o universo do outro.
Sou um corpo, apenas um corpo, que transita entre o chão da realidade e o céu da fantasia.
Priscila Reis

MINHA RELIGIÃOÉ O PRAZER



Era ela Margot.Mas além de ser Margot ela era quem costurava tecido a tecido seus próprios vestidos.Suas mãos eram tão encantadas que suas vestimentas tinham quase vida própria.Imprimia em seus vestidos todas as suas fantasias, todos os seus desejos.Construia, assim, uma relação de afeto com o que vestia, transformando um simples pedaço de pano na mais pura fantasia.
Priscila Reis

terça-feira, 11 de maio de 2010


Priscila Reis
OLHAR COR TIJOLO TRANSLÚCIDO
De questionamentos mil que me faço diariamente, surgiu-me uma constatação: a relevância e sublimação de um olhar. Quando digo olhar, não me refiro a um olhar vazio, perdido, que não se prende a nenhum ponto ou feição facial. Quando digo olhar, refiro-me a um ato de quase adentrar a alma do outro, vendo-se na menina dos olhos outros. Quando falo desse ato falo de quase tocar as cores e texturas que preenchem esse circulo misterioso.
Pensando sobre esses olhares e seus “donos”, deparei-me andando pelas ruas, num movimento de eterno pensar e questionar, um olhar que me intriga. É de um vermelho tijolo, translúcido, com o circulo negro quase derretendo dentro dessa circunferência. Esse olhar me leva á pensar sobre a transparência dos olhares, sobre a intensidade do ato físico, tátil e imagético.
O poder e mágica de um olhar, nos transporta, nos leva a outros mundos, realidades, pessoalidades, nos leva à enxergar o outro. Suas cores, formas, seus desenhos, anseios, angustias, medos. A idéia de poder contar com um ponto ocular aonde acalmar nossos olhos nos tranqüiliza. Nos coloca numa troca de intimidades, afeições, carências. Nos direciona à um mundo particular,cheio de amores, trejeitos, histórias, relações, experiências.
Muitas vezes o olhar substitui muitas outras ações, junto ao toque, a sensibilidade, à escuta, a percepção, torna-se talvez muito maior e de maior relevância do que a transmissão de conhecimentos. Essa percepção sensível, afetuosa é muito maior do que realmente entender as cores, as pinceladas, os grafismos, os artistas e suas obras, a história construída através de imagens.
Não retiro aqui, em momento algum a importância desses elementos, mas penso que muitas vezes os olhares e trocas afetivas, a escuta, a aceitação, a crença no outro, a esperança mantida, conservada, transformada, vale mais que mil palavras. Vale mais que conteúdos, conhecimentos, erudição.
A sensibilidade abre portas, traz possibilidades, caminhos. Oferece trocas, alimenta relações e torna o ser humano,humano, no sentido literal da palavra.
Priscila Reis