quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A carta daonde escrevo não é o lugar que queria residir.Minha morada se faz dentro do lugar a que não pertenço.Eu busco uma morada que realmente seja minha, aonde saberei exatamente como estão organizados meus objetos pessoais.
Esse lugar a qual almejo, tem janelas para a rua, onde pessoas passam à me encarar e portas para a minha alma, que repousa sentada no vão da porta, ventilando-se e buscando aromas para exalar no lindo dia em que minha primavera desabrochar dentro de mim
Priscila Reis

sábado, 11 de dezembro de 2010

Entre a gaiola,a mata aberta e si próprio

Soa-me tão estranho colocar meu texto em primeira pessoa, que me toma uma vontade de achar uma outra pessoa para nomear meus desejos, minhas frustrações, crises e loucuras. Porém, de repente, vislumbro a possibilidade de quebrar meus próprios paradigmas e me desafiar a escrever meus afetos em primeira pessoa, nomear sensações e situações em meu próprio nome,singular. A sensação de que posso nomear coisas todas minhas, me traz um certo alivio.
Ë como se,dessa forma, tivesse minha vida em mãos, como se pudesse senti-la com toda intensidade e dar tonalidades todas minhas. Esse universo todo particular, de mergulho em si , me fascina e me cobre de sentimentos dúbios, contraditórios. Ao mesmo tempo em que sinto uma alegria toda intensa, que quase me escapa do controle, me inundar, sinto uma eterna angústia assustadora.
Gosto de comparações e, quando exemplifico, tudo parece ficar mais fácil. É como se eu fosse uma passarinho que sempre viveu dentro de uma gaiola, e que , de repente,de surpresa, é solto para o mundo. Ele não sabe o que fazer primeiro. Não sabe se leva seus pertences junto ä ele, para nunca mais voltar,ou se os deixa lá dentro, para ter motivo de volta, lugar seguro e confortável e para sua ausência ser notada.
Quando sai para o mundo, fica tão feliz de estar livre naquela imensidão de verdes, mas não está livre nos seus pensamentos, em sua mente a imagem da sua confortável gaiola e de quem o cuidava e fazia companhia não lhe abandona. Nesse mergulho pra fora da gaiola, ele mergulha no seu próprio universo, entra em si com toda intensidade de um homem à penetrar vagina pura e virgem.
A busca fora da gaiola, que sempre o prendeu, porém numa prisão segura, que lhe agradara por determinado tempo, o levara a buscar em si ferramentas para encarar aquela floresta que o devorava. Essa busca dentro de si, era o que o mantinha fora da gaiola. Era preciso todo um arsenal para viver fora daquele apertado ambiente, num mundo imenso e de possibilidades mil. Ele tem que lidar com o sentimento de estar fora de reduzido lugar trancafiado, voando em mata aberta, procurando em si uma liberdade que nunca imaginou poder ter e as ferramentas próprias para lidar com ela, encarando-a e ao mesmo tempo vivendo-a com toda intensidade e veracidade.
Me vejo de novo à tomar como exemplo o outro, parece-me mais fácil e fluido.Para que falar de mim ,citando-me diretamente,se sinto-me como esse pássaro entre a gaiola ,a mata aberta e si próprio.Não acredito que ele tenha que tomar uma decisão crucial, escolher apenas um lugar em que pretende ficar e ajeitar seus pertences à esse ambiente.Acredito em escolhas, mas não nas realizadas em prol de definições de papeis sociais fixos, de maneira a se colocar ao outro e a sociedade.Acredito na escolha que começa e acaba em si, mesmo passando de relance pelo outro.Porém essa escolha tem que ser feita de maneira fluida e natural.
Não acredito que devamos nos prender a crenças, lugares, ideais e definições.Sinto-me oscilando em meus pensamentos e emoções,porém, tenho gostado dessa viagem.O balanço do barco sob as ondas, me faz lembrar de um tempo em que brincava de ser sereia, pirata, pescador, sem me prender a escolher um determinado papel ou lugar.Quando se é criança, todos os lugares são seus, e com eles, todos os personagens, possibilidades, devaneios. Quando se é criança, nenhuma decisão é para sempre, nenhuma escolha tem que ser feita de maneira fixa e estável.
Quando eu era criança, o futuro não existia, as pessoas eram para sempre, as situações vividas com toda a intensidade, o presente a única existência, o filhote de cachorro era o cavalo da minha Barbie, a bacia de lavar roupa da minha mãe era piscina da Barbie, minha mãe nunca mais me buscaria na escola, pasta de dente era comestível, amigos para sempre, cachorros e outros bichos pensavam e sentiam.
Não quero ter agora que escolher não ser mais criança.A infância reside em mim e me mantém viva , com toda a vivacidade, não apenas sobrevivência.Não sei se algum dia quero ter alguma certeza, certa e imutável.Gosto do contraditório,das oscilações, elas me fazem lembrar quando brincava de barco no mar revolto.Viva a infância e que ela nunca morra em ninguém,que no máximo adormeça em instantes de descuido.Ainda acredito que o filhote de cachorro é o cavalo da minha Barbie, mas não acredito e nunca quero acreditar que as coisas são pra sempre , o mesmo, sem menores alterações, e que a passagem de fases seja tão marcada e delimitada.Primeiro se é criança, depois pré adolescente, adolescente, jovem adulto,adulto, meia idade e idoso. EU não quero acreditar nessas cisões em definições absolutas e conceitos para tudo. Quero acreditar que algumas coisas são simplesmente inexplicáveis e que somos humanos, que brincam de ser tudo e todos, sem separações por faixa etária.