quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sobre a frase "Trair o próprio desejo custa caro"

Escuto meu desejo falar mais alto
Meus prazeres pedem espaço
Dentro da geografia do meu corpo
Localizo e me perco no meu oco
Quando tento um recomeço
Percebo que trair o próprio desejo
tem um alto preço
Talvez o mais caro
De sentir aquele prazer negado
Posso senti-lo guardado
Preenchendo o espaço dos renegados
Na gaveta que à tudo destina
Fechada a sete chaves, para evitar o alarde
De todos os desejos saltando pelos ares
Saindo de si e eclodindo com pesares
de não ter se mostrado antes aos alheios olhares.
Por Priscila Reis

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Descrição da cena:varrendo folhas secas

Era como uma pintura.Era como se eu pintasse a cena com as palavras bem escritas,junto à descrições,detalhes em caligrafia bem desenhada.
Era a cena se desenrolando em minha mente, enquanto escutava a descrição que gravei e coloquei-me à escutar.
Que euforia me toma, ter tantos mundos, objetos e pessoas à imaginar.
A imagem daquela senhora de cabelos brancos, pele clara,vestida de floral, em cores contidas, à varrer pacientemente as folhas secas de outono não me abandona a mente.
Deixe-me descrever.O ato de descrever é tão prazeiroso para minha pessoa, que o encaro como um gozo poético à ser concluido.
A descrição das folhas:Aquelas folhas secas de outono insistiam em brincar com o vento e se esparramar desordenadamente.Ao lado delas e da senhora que as varria com calma e serenidade, havia um brinquedo de girar,que não me lembro o nome, com pintura descascada e ar de esquecido pelo tempo.
Velhice e infância,senhora e gira gira, lado a lado, sem nem ao menos notar.Folhas secas protagonizando tão serena e linda cena.
Essas imagens detalhadas dançam, brincam dentro de mim.
A pergunta que me fica é:O que pensava tão doce senhora sobre seu fazer?e sobre seu interior ao fazer cotidiana tarefa?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sobre coser e coseduras

A primeira vez que a encontrei, senti uma identificação acontecer. Nosso primeiro encontro foi pura coincidência. A semelhança dos nossos nomes nos aproximaram, e por alguns segundos, cheguei a pensar se ela não seria uma parente distante,se algum laço de parentesco nos unia. Priscila Dias. O único sobrenome que quebrava a coincidência, era a continuação do meu:dos Reis.
Confesso que fiquei surpresa com seu semblante. Ela tinha cachos negros que pendiam sobre seu ombro e que faziam o desenho de uma espiral. Aqueles cachos se movimentavam a cada ação do seu corpo. Sob seus cachos, havia adornos de tecido, confeccionados manualmente, por ela mesma.
Ela tinha uma certa relação de fetiche com os adornos que produzia.Era como se colocasse todos os seus sonhos e desejos à disposição de suas mãos, que davam forma concreta à eles, cosendo tecidos diversos. Conseguia, com maestria, unir tecidos de categorias diversas,texturas,cores,volumes e histórias diferentes.
Não era nenhum mistério para ela como unir trapo e cetim e o fazia de maneira esplendida.Para ela aquele coser não era um mistério, mas ela era por si só a tradução do mistério, se é que isso existe.Há de se confessar aqui que, por alguns segundos novamente, o susto me tomou, me decepcionei ao procurar nos dicionários a palavra coser e pensar que esta não significava o que eu almejava dizer. Pensei comigo:como pode uma só letra mudar o enredo todo.Cozer com z diz respeito ao ato de cozinhar, e coser com s, essa sim, é palavra que diz sobre o ato de costurar.Não sabe o alívio que me toma poder manter palavra tão poética no meu relato sobre Priscila.
Esse segredo se dava na sua relação com o mundo das coisas.Era ela toda inusitada, não se podia esperar uma determinada ação de sua parte.Ela sempre surpreenderá, se colocando de maneira diferente em cada situação. Priscila tem o dom de antever cada ação com um suspiro que impulsionará seus atos.
Penso aqui se deveria eu, relatora, conjugar sua história no passado ou colocar no presente, já que o fascínio por épocas outras a toma e a leva para universos distintos, universo dos chapéus, casquetes, melindrosas, jazz, ópera, teatro, cabaré.
Acho que o passado lhe cabe melhor,mas prometo não me prender à isso, já que ambas Priscilas caminham tranquilamente entre os anos 20 e o século 21.Essa transição é divertida e mistura elementos de ambas épocas de tal forma, que quase nos perdemos e esquecemos em que época estamos.
Priscila almejava, por alguns piscares de olhos , pelo menos, habitar a sociedade banhada na era do jazz.Ela tinha imaginário tão fértil que a transportava para esse lugar, nesse ano, apenas no encontrar de seus cílios superior e inferior.Quando os mesmos se fecham e lacram, de certa forma, sua visão, seu universo interior fala mais alto.Na verdade não fala, grita.solta urros de felicidade por poder, contida em si mesma, viajar para essa época e viver nessa sociedade.
Dentro de si,em seu intimo mais que colorido, já elabora as cenas que pretende viver, ambientes onde pretende estar, adornos e vestimentas que usará.De olhos fechados, com suas retinas cobertas e imersas no interior de si, ela se veste.A primeira vontade é enfeitar seus cabelos.Prende em meio aos seus cachos, um casquete em forma de miniatura de chapéu preto, com penas saltando do seu centro e um véu à frente de sua visão. Esse véu tem tramas que colocam as imagens que estão no campo de sua visão em formas geométricas.Tudo o que enxerga fica contido em seu véu, que fragmenta as imagens,acompanhando o desenho da renda.
Depois do cabelo adornado, e os cachos alinhados, banha-os em creme de rosas.Começa pelas roupas intimas.Envolve seu corpo no espartilho,bem preso, para não lhe escapar nenhuma impureza. Parte então para as pernas.Veste cada perna em um orifício da calcinha e a puxa para cima, para cobrir suas vergonhas. Senta em uma cadeira estilo art nouveau, veste a cinta liga desenhando rendas sobre as pernas.
Levanta-se de sua cadeira e vai até o guarda roupas. Retira dele o cabide que sustenta seu vestido de seda, de silhueta tubular, curto,leve e elegante e o veste, deixando braços e costas à mostra, para lhe dar liberdade em seus movimentos para dançar Charleston, sua dança favorita.
Ao terminar de se vestir, desce as escadas ofegante, e depara-se com seu ser amado, à abrir a porta para sua entrada.Entra no carro,olha para o lado, e ali está o motivo de toda euforia.Um distinto cavalheiro que sustenta todas as suas projeções de amor natural, profundo,íntimo e verdadeiro.
Selam o encontro com um beijo estalado,já que tinham que tomar cuidado, pois não podiam mostrar suas intimidades em público.Se é que dentro do carro estavam em público, já que estavam fechados em um universo particular.
Chegando ao local do baile, o distinto cavalheiro abre a porta, desce do carro, dirige-se a porta de Priscila, oferece-lhe gentilmente a mão para ela descer com desenvoltura e mostrar-se enquanto seu companheiro.
Ao por os pés no chão, ouve um ruído estranho, que parece um disco riscado, parado na frase me Myself and I, do disco de Billie Holiday.Aquele ruído a toma de tal forma, envolvente e perturbadora ao mesmo tempo.Na pausa abrupta, feita por um risco no vinil, Priscila separa seus dois cílios, abrindo –os para escuridão daquele quarto, iluminado à velas.Olha para o lado e percebe estar em outro lugar, que parece estranho e seu ao mesmo tempo.
Passado o susto, consegue perceber o ambiente.Um tocador de vinil, adquirido em um antiquário, o disco enroscado,um croqui com sua mais nova cosedura, estilo anos 20, sob uma luz toda especial.Ela se vê deitada na cama, com um vestido antigo, comprado em um brechó, brincando sobre seu corpo.Ela olha para si e acha graça.Ri da sua viagem e pensa: a quantos lugares meu imaginário pode me levar.
Embora achando graça, não se desfez de sua imaginação.Guardou o vestido no armário,mas já pensando nas próximas cenas.Sua memória visual agora estava banhada de cenas de cabaré,casquetes,melindrosas, cintas ligas,etc.O que achou mais fascinante disso tudo é que poderia acessar aquele universo imaginário no momento em que bem entendesse.
Fechou o guarda roupa, apagou algumas velas e se preparou para sair.Parou na porta do seu quarto, olhou sua cosedura iluminada e se lembrou de uma frase que escutara e que havia lhe reverberado: O tempo não é linear. O tempo é uma espiral.Você contém dentro de si todos os outros tempos vividos.
Ela saiu do seu mundo, para enfrentar o mundo real. Mas algo que não lhe saia da cabeça, era a idéia de achar tão distinto cavalheiro abrindo portas e fazendo gentilezas, no seu mundo real.
Em pleno século 21, achar tal cavalheiro não é impossível, mas exige-lhe suor e entrega, já que hoje o mundo das relações encontra-se tão superficial e medroso, sem toques e penetrações mais profundas, que fure a barreira do físico.Mas ela conserva as esperanças, e pensa que ainda achará tão distinto cavalheiro, abrindo as portas do seu intimo colorido e trazendo à ela uma enxurrada de sensações e emoções.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Hedonismos da Infância

O sentir sempre me guiou e o sensível sempre me aflorou. Tenho uma percepção que, não dificilmente, me assusta. Hoje pensei muito sobre como significamos e resignificamos conteúdos, sensações, vivências. É só a melodia daquela música soar que já sinto o primeiro pêlo do meu corpo levantar-se e na seqüência todos os outros.
Essa sensação me despertou um pensamento: acho que eu sinto a música em todos os sentidos, numa relação de sinestesia absurda, que me toma por inteiro e sopra vida para meu recipiente de almas diversas.
Quando penso no tempo que me toma, sentir intensamente minhas vivências, penso por alguns instantes que estou à perder meu precioso tempo, que deveria estar concentrado no lado intelectual da vida.Porém, passa mais alguns segundos, e já me desarmo desses pensamentos.Logo chego à uma conclusão:É esse viver que me preenche que me torna ser vivo, muito vívido.
Gosto da alegria, arrepio e carnaval de emoções que me tomam e me levam a um universo mágico, que se encontra dentro de meu corpo, em um lugar que nem eu sei localizar ao certo, só sei que me toma por inteiro.
Gosto também de, a certa hora do dia, colocar sons de mar, risadas, andares, diálogos, pássaros, para me ambientalizar em um lugar incomum, no lugar que não estou. Crio esse universo,de forma à enriquecer meus cenários e poder colocar meus personagens andando por ele, relacionando-se com ele , o espaço, e comigo mesma.
Retomo à brincadeira da infância que mais gostava: à de criar mundos imaginários, e me deliciar e lambuzar de gabar de tão infinitas possibilidades.Meus devaneios me levam à lugares só meus, me interiorizam e me armam para esse mundo bipolar e cheio de peripécias.
Me enche de prazer lembrar a minha infância, meus badulaques, brinquedos, minhas descobertas, mistérios, aventuras, pés pretos de tanto correr descalço. È só eu escutar sons de infância, quando coloco a música palhaço, de Egberto Gismonti para tocar, que me vejo frente a frente com esse universo de sinestia, de um mundo sendo descoberto com hedonismo e sem culpas.
Um mundo vivenciado aos âmagos.Um mundo que é meu imaginário e um mundo lá fora de mim.Esses dois mundos brincam sapecamente e quase se desorientam,tamanha a felicidade que os toma ao encontrarem-se...

Primeira caligrafia
Aquela música sempre lhe despertara para escolher as melhores palavras, as mais doces de serem degustadas em seu mais intimo ser, para depois serem sentidas aos poucos, ao sair do seu interior, sua mente imaginária, de seu inconciente despertado, para uma materialização.
Ela degustava, sentia e tocava com a língua cada palavra a ser colocada delicadamente para fora, de maneira à expressar aos outros o que sentia e pensava, mas principalmente para ela própria.Ela tinha curiosidade de saber como ficariam aquelas palavras soltas no mundo, como seria seus sons e como se daria as interpretações alheias do conjunto de palavras que ela juntaria, colocaria em ordem ou desordem.
Significava e resignificava, dessa forma, seus conteúdos internos, que ainda assim eram interiores, mas agora com a significação do ser desconhecido e exterior. Sempre lhe chamara atenção essa forma de lidar com a vida, tão sua, tão própria.Tenta nomear, classificar e pesar tudo. Sempre quis entender em qual caixa cabia e qual lhe acolhia melhor, até descobrir que não tinha que se forçar a entrar em molde nenhum, que tinha que ser ela, apenas ela.
Agora gosta do desconhecido, do diferente, inusitado sem nomes, do estranho.Procura ver em tudo o seu mais intimo conceito, que não lhe caberá da mesma forma que cabe ao desconhecido em si.
Começara a se divertir com inúmeras possibilidades do existir, e não mais tenta se colocar em nenhuma posição fixa, adora o mutável, o variável, e a frase que mais gosta de dizer é a frase de um filósofo: Só há uma coisa que permanece: a mudança.
Está agora maravilhada, pois não precisa assumir nenhuma rigidez e não precisa nomear os sentimentos e personagens, muito menos pensar na conjugação do verbo, no tempo interno e externo do personagem, na seqüência do que conta. Tem o livre arbítrio de simplesmente dizer, em sons, gestos, olhares, escritas, entre linhas o que pensa e o que sente. E o melhor de tudo, é que agora não mais discerne e coloca como arbitrário razão e emoção, teoria e prática.
Certo dia, li que precisamos do outro para existir, que não somos uma ilha, e pensar nisso me levou a pensar que essa menina-mulher precisava de um par romântico para existir.Não que não exista sem o mesmo, mas com ele sua presença se engrandece, se revitaliza, a transforma, num movimento espiral que sai para o exterior e volta para o interior.
Agora sim, poderia ela dizer que tem quem contemple a sua espontaneidade, que sente a sua não presença, que tem que acessar o seu imaginário para contemplar cenas que ainda não aconteceram, que acontecerão. Imagens que lutam para manterem-se presentes dentro de si, sem se atrever a se colocar pra fora.Aquele pensamento é só seu, aquela imaginação é de sua própria fabricação.
Começa agora o primeiro suspiro e a primeira letra passa a ser delineada, o papel começa a acomodar tão delicada e sutil caligrafia.As linhas se ajustam de forma a acomodar tudo o que recebe. Ela mesma sugere um nome para a personagem da história, da sua história.Ela não quer que destinem a ela um único nome e se diverte com a possibilidade de criar, recriar, visitar e revisitar personagens. Esses personagens a tranqüilizam e a ajudam a viver de forma integral e intensa sua tão almejada vida.
Seu caderno passara anos fechado, sem nenhuma caligrafia transposta à suas páginas amareladas. Ela senta na cadeira, tira o caderno da gaveta, o puxa para junto de si, se ajeita na cadeira,fica alguns minutos de olhos fechados para sentir sua imaginação vir à tona. Pega o tinteiro, a caneta, e numa euforia contida, delineia a primeira letra que se segue a primeira palavra e que transforma-se numa frase. Inventou um nome para si, Julieta, e inicia a primeira de muitas histórias do seu caderno há tanto tempo fechado: Caligrafia de Julieta.

Postarei um texto em fase de experimentação.Comentários e sugestões são bem recebidos.Porém, o texto poderá sofrer mudanças...